A engenheira química Raquel Cristina Freitas ingressou
no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) sob os auspícios da Missão
Espacial Completa Brasileira, no início da década de 1980. Entre os
objetivos do programa, estava a construção de um veículo lançador de
satélites. Com formação em propelentes sólidos, ela seria uma peça
essencial no desenvolvimento dos foguetes. Mas, trinta anos depois,
Raquel ainda não viu seu “filho”, como chama carinhosamente o VLS-1,
cumprir sua missão.
Essa jornada teve um capítulo trágico há exatos 10 anos,
em 22 de agosto de 2003. Em três dias, Raquel receberia, em seu
aniversário, o maior presente que poderia pedir: a decolagem do VLS-1, o
terceiro protótipo, que ajudara a conceber. Mesmo assim, ela não se
sentia bem. “Tinha algo errado”, lembra.
No horário do almoço, ao voltar para casa, em São José
dos Campos (SP), Raquel telefonou para o seu então marido, Renato
Madeira Branco, também pesquisador sênior, hoje chefe da Usina Coronel
Abner – uma subdivisão de fabricação de propelentes da Divisão de
Química do IAE. Ele estava no Centro de Lançamento de Alcântara, no
Maranhão, esperando um chamado para ir até a plataforma do VLS-1.
Após poucos minutos de diálogo, a conversa foi
interrompida por um barulho. “Se eu não soubesse que o lançamento seria
só três dias depois, pensaria que era a queima do motor”, conta Raquel.
Ele largou o telefone para ver o que acontecia. Naquele momento,
encontrava-se em um prédio em frente à torre de lançamentos, a 500
metros de distância. Para observar o que era aquele barulho todo, abriu
uma porta. A verdade estava lá, pavorosa. Era mesmo a queima do motor.
Um grande sonho consumido pelo fogo. Segundos depois, voltou ao
telefone. Gritando.
Raquel conta que o marido, desesperado, queria sair do
prédio e socorrer os colegas. Mas era impossível. “Fecha a porta e
espera”, apelou, com medo. Inalar aquela fumaça tóxica poderia lhe ser
fatal, como foi para 21 técnicos e engenheiros que dedicaram seus
últimos instantes ao projeto de autonomia espacial ainda hoje perseguido
pelo Brasil.
Assim, o desenvolvimento do lançador, que já enfrentava
tantos obstáculos – como a verba irregular e a dificuldade de obter
componentes estrangeiros – encontrou mais um: a depressão. Equipes de
psicólogos e psiquiatras foram mobilizadas. “Quem ficou perdeu o chão.
Quem estava lá...”, lamenta Raquel. “Foi um baque. Afetou todo mundo.
Tivemos dois anos de acompanhamento psicológico. Meu marido entrou em
depressão. Ficava deitado olhando para o teto.”
Como ele, muitos pesquisadores tiveram dificuldade de
retomar o trabalho. Ainda era preciso avaliar todos os detalhes técnicos
do acidente, definir o que dera errado e reformular os processos para
que as próximas tentativas fossem bem-sucedidas. Para isso, uma
reestruturação completa na equipe foi necessária.
Até hoje, porém, ninguém sabe explicar por que houve um
acendimento intempestivo de um dos motores. “O projeto estava correto”,
diz Raquel. “Foi uma fatalidade. Não teve um erro responsável pelo
problema. É uma área em que sempre há a possibilidade de um acidente,
como também houve nos programas russo e americano.”
Em 2011, ela se aposentou sem ver novas tentativas de
lançamento. Manteve-se, mesmo assim, “à disposição” do IAE. “Acredito e
tenho total confiança no Programa Espacial Brasileiro”, afirma Raquel.
“Mas o lançador é um caso de soberania. Por enquanto, estamos nas mãos
dos outros. A sensação é frustrante. A Índia (que já tem seu lançador)
começou junto com a gente. A diferença é que lá, por exemplo, tinha em
torno de 1,3 mil pesquisadores em 2004, e aqui, o IAE tinha em torno de
500”, conclui.
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